quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Algum número romano de que não me lembro, de Fernando Pessoa

"O meu olhar é nítido como um girassol
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto.
E eu ser dar por isso muito bem...
Dei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos
                                                  [de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba
                                                  [o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amor...
Amara é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar."


por Fernando Pessoa em Obra poética II - Poemas de Alberto Caeiro, p.34 e 35.